fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
José Luis Peixoto, in A criança em Ruínas
4 comentários:
Lindo demais!
'um oceano q no queima!'
'fingir que está tudo bem!'
Somos mestres nisso!
_
Novo post finalmente, minha alma anseia por teus versos!
sei sobre esse texto.. sei bem, mas não faço com excelência. Dissimulação nunca foi meu forte. :*
Adoro esse autor!
Esta citação é belíssima :D
bjos
Postar um comentário