tag:blogger.com,1999:blog-322917632024-02-03T06:40:23.671-03:00Todo o sentimento do mundoMeu coração não quer deixar meu corpo descansar.K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.comBlogger121125tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-84934659047553895812016-04-02T15:41:00.001-03:002016-12-15T16:46:46.972-03:00Perdi-te<a alt="Raul de Carvalho" href="http://astormentas.com/din/poemas.asp?autor=Raul+de+Carvalho"></a><a href="http://astormentas.com/din/biografia.asp?autor=Raul+de+Carvalho"></a><a href="http://astormentas.com/din/multimedia.asp?autor=Raul+de+Carvalho"></a><a href="http://astormentas.com/din/umpoema.asp"></a><a href="javascript:mailpage()"></a><a href="http://www.astormentas.com/"></a>
<br />
<div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/Flores/08with_my_eyes_28.jpg.html" target="_blank"><img alt=" photo 08with_my_eyes_28.jpg" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/Flores/08with_my_eyes_28.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Deito fora as imagens, sem ti para que me servem as imagens? Preciso habituar-me a substituir-te pelo vento, que está em toda a parte e cuja direcção é igualmente passageira e verídica. Preciso habituar-me ao eco dos teus passos numa casa deserta, ao trémulo vigor de todos os teus gestos invisíveis, à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve a não ser eu. Serei feliz sem as imagens. As imagens não dão felicidade a ninguém. Era mais difícil perder-te, e, no entanto, perdi-te. Era mais difícil inventar-te, e eu te inventei. Posso passar sem as imagens assim como posso passar sem ti. E hei-de ser feliz ainda que isso não seja ser feliz.</div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Raul de Carvalho</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-38406324148142009052015-03-17T18:54:00.001-03:002015-03-17T18:57:22.252-03:00Não há salvação<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjsFwACwasq8zSyvzZaz9yCTwkE3dFS2NMGpXbXqCM6bql-jSU82Ot_UsR-n4F9CHcODxErgE8pJvjX_H_NqRdw7UNpjROI5SyFDjdMz54Jo6YDJXSU2gpZEoqXitXdFwoN8gFSA/s1600/tinasosna_zps53429989.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjsFwACwasq8zSyvzZaz9yCTwkE3dFS2NMGpXbXqCM6bql-jSU82Ot_UsR-n4F9CHcODxErgE8pJvjX_H_NqRdw7UNpjROI5SyFDjdMz54Jo6YDJXSU2gpZEoqXitXdFwoN8gFSA/s1600/tinasosna_zps53429989.jpg" height="422" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;">Foto Tina Sosna</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Calma, calma, também tudo não é assim escuridão e morte. Calma. Não é assim? Uma vez um menininho foi colher crisântemos perto da fonte, numa manhã de sol. Crisântemos? É, esses polpudos amarelos. Perto da fonte havia um rio escuro, dentro do rio havia um bicho medonho. Aí o menininho viu o crisântemo partido, falou ai, o pobrezinho está se quebrando todo, ai caiu dentro da fonte, ai vai andando pro rio, ai ai ai caiu no rio, eu vou rezar, ele vem até a margem, aí eu pego ele. Acontece que o bicho medonho estava espiando e pensou oi, o menininho vai pegar o crisântemo, oi que bom vai cair dentro da fonte, oi ainda não caiu, oi vem andando pela margem do rio, oi que bom bom vou matar a minha fome, oi é agora, eu vou rezar e o menininho vem pra minha boca. Oi veio. Mastigo, mastigo. Mas pensa, se você é o bicho medonho, você só tem que esperar menininhos nas margens do teu rio e devorá- los, se você é o crisântemo polpudo e amarelo, você só pode esperar ser colhido, se você é o menininho, você tem que ir sempre à procura do crisântemo e correr o risco. De ser devorado. Oi ai. Não há salvação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Hilda Hist, em Fuxo-floema,</div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-79227198226609720162015-03-09T23:39:00.000-03:002015-03-10T11:52:00.643-03:00Amo-te em distância<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3wUyp65etlPqs0FQulhGBBQ-SpGKXIhmDiTNKC-hZVqBf1vvQf0nRfSY_xcEtszn239BmZOSW98GMfqX1GnmI9opxaBlXUIUZosZFyvtwS4HDoTlZTWcS_DKXBvZftAxk49e_GQ/s1600/tina+sosna.jpg"><img border="0" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3wUyp65etlPqs0FQulhGBBQ-SpGKXIhmDiTNKC-hZVqBf1vvQf0nRfSY_xcEtszn239BmZOSW98GMfqX1GnmI9opxaBlXUIUZosZFyvtwS4HDoTlZTWcS_DKXBvZftAxk49e_GQ/s1600/tina+sosna.jpg" width="640" /></a><br />
<span style="font-size: x-small;"> Foto Tina Sosna</span><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
consigo amar-te calmamente à distancia. meu corpo consegue esquecer-te apenas o suficiente para que aguente os dias que seguem sem ti. teu calor ainda inflama minha pele. a tua memória em mim enche-me o peito de esperança: um dia, encontraremo-nos. iremos compor as coisas. te espero a cada minuto. te lembro a cada minuto. é como se estivesses aqui a partilhar comigo esses dias chuvosos. acompanha-me a rotina, de todo modo. sabes a hora que me desperto, o que agrada-me o paladar todos os dias, os sentimentos que assolam-me a encostar a cabeça ao travesseiro. estás tão perto e nem imaginas. tenho urgência do teu corpo a arder-me inteira. no entanto, consigo esperar-te com paciência. fazes-me falta.</div>
<!-- Blogger automated replacement: "https://images-blogger-opensocial.googleusercontent.com/gadgets/proxy?url=http%3A%2F%2F3.bp.blogspot.com%2F--YHXbbwa8Mw%2FVP5WpqK4NrI%2FAAAAAAAAA0c%2F9lc6z5na6cI%2Fs1600%2Ftina%252Bsosna.jpg&container=blogger&gadget=a&rewriteMime=image%2F*" with "https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3wUyp65etlPqs0FQulhGBBQ-SpGKXIhmDiTNKC-hZVqBf1vvQf0nRfSY_xcEtszn239BmZOSW98GMfqX1GnmI9opxaBlXUIUZosZFyvtwS4HDoTlZTWcS_DKXBvZftAxk49e_GQ/s1600/tina+sosna.jpg" -->K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-61527979341043910502015-03-02T12:56:00.002-03:002015-03-02T12:59:25.846-03:00Desde sempre<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_CKqbciRFixVQkvD04h3a3dEFKmgFjjGUqnKoq6GvRTeUaOBksosdItrpsPDvVNrMKcfhB0fdW3MsW5djyCMc2ZO_YV91XJv_MUxzyTugqT_Fu3dW90ACRhV0P7U8G2i11tb8Lw/s1600/tina+sosna.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_CKqbciRFixVQkvD04h3a3dEFKmgFjjGUqnKoq6GvRTeUaOBksosdItrpsPDvVNrMKcfhB0fdW3MsW5djyCMc2ZO_YV91XJv_MUxzyTugqT_Fu3dW90ACRhV0P7U8G2i11tb8Lw/s1600/tina+sosna.jpg" height="426" width="640" /></a></div>
<span style="font-size: x-small;"> Foto: Tina Sosna</span><br />
<br />
<br />
Seduzem-me os movimentos deste momento<br />
em que fecho os olhos para que os frescores da tua lembrança<br />
me visitem com as lânguidas línguas do sentimento<br />
Estremeço como se ainda colhesses serenamente uvas úmidas<br />
no veludo inverso do meu sexo<br />
com movimentos de peculiar doçura<br />
O perfume quase marinho do ar dilata as minhas narinas<br />
e posso sentir o calor do teu hálito subindo pelas minhas pernas<br />
derramando pelo caminho palavras de náufrago<br />
benditas palavras de nuvem<br />
Como na primeira vez que tuas mãos buscaram meus contornos<br />
- ainda exalavam um insone perfume de desertos -<br />
estou envolta em cálida penumbra<br />
e revejo teus olhos se acenderem nos meus seios<br />
Aperto tua coxa entra a minha coxas<br />
antes que me deites e abras devagar as minhas pernas<br />
soprando um dialeto rouco em meus ouvidos<br />
por onde me entorpeces e desvendas<br />
Açoitam-me os dias arrastados em que essas imagens<br />
só acenam de longe, como se te perdesse<br />
na paisagem fosca do cotidiano<br />
Poderia sangrar o coração até sangrar aquela noite<br />
em minhas mãos<br />
Onde repousavas, espírito e matéria que busco<br />
no árduo exercício da existência?<br />
Mais que amorosa mágica: rio em que levitassem pedras.<br />
<br />
Ledusha Spinardi, <i>in</i> Exercícios de Levitação.<br />
<br />
<br />K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-1650623297326216932014-10-08T22:30:00.003-03:002014-10-08T22:32:04.494-03:00Posso escrever os versos mais tristes esta noite<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="background-color: transparent; line-height: 18.9149990081787px;"><span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/10448721_807951692570084_217091180282140831_o_zps66066e19.jpg.html" target="_blank"><img alt="Leszek Kowalski photo 10448721_807951692570084_217091180282140831_o_zps66066e19.jpg" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/10448721_807951692570084_217091180282140831_o_zps66066e19.jpg" /></a></span></span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-size: x-small;"><span style="background-color: transparent; color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif; line-height: 18.9149990081787px;">Fonte: </span><span style="color: #494841; font-family: MuseoSans, Arial, sans-serif; line-height: 18px;">Leszek Kowalski</span></span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="background-color: transparent; color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif; line-height: 18.9149990081787px;"><br /></span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="background-color: transparent; color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif; line-height: 18.9149990081787px;">Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada,</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;">e tiritam, azuis, os astros lá ao longe.»</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />O vento da noite gira no céu e canta.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Posso escrever os versos mais tristes esta noite.<br />Eu amei-a, e por vezes ela também me amou.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Em noites como esta tive-a eu nos meus braços.<br />Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Ela amou-me, por vezes eu também a amava.<br />Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Posso escrever os versos mais tristes esta noite.<br />Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.<br />E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.<br />A noite está estrelada e ela não está comigo.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.<br />A minha alma não se contenta com havê-la perdido</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.<br />O meu coração procura-a, e ela não está comigo.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.<br />Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Já não a amo, é verdade, mas tanto que eu a amei.<br />Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.<br />A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.<br />É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.</span></div>
<div align="justify">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br />Porque em noites como esta a tive nos meus braços,<br />a minha alma não se contenta com havê-la perdido.</span></div>
<br />
<div align="justify" style="background-color: white; line-height: 18.9149990081787px;">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;">Embora esta seja a última dor que ela me causa,<br />e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo<span style="font-size: x-small;">.</span></span></div>
<div align="justify" style="background-color: white; line-height: 18.9149990081787px;">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: x-small;"><br /></span></span></div>
<div align="justify" style="background-color: white; line-height: 18.9149990081787px;">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: x-small;">Pablo Neruda</span></span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-22669346276852461382014-09-26T13:40:00.001-03:002015-02-24T22:20:43.225-03:00VI<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14.4444446563721px; line-height: 20px;">
<a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/Pessoas/tinasosna4_zps51bbb3ed.jpg.html" target="_blank"><img alt=" photo tinasosna4_zps51bbb3ed.jpg" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/Pessoas/tinasosna4_zps51bbb3ed.jpg" /></a></div>
<div style="background-color: white; line-height: 20px;">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif; font-size: xx-small;">Fonte: Tina Sosna</span></div>
<div style="background-color: white; font-size: 14.4444446563721px; line-height: 20px;">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; line-height: 20px;">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><i>Entro no quarto, procuro refúgio no passado. Mas não posso me esconder inteiramente nele. Não sou o que era naquele tempo. Falta-me tranquilidade, falta-me inocência, estou feito um molambo que a cidade puiu demais e sujou.</i></span></div>
<div style="background-color: white; line-height: 20px;">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; line-height: 20px;">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><i>[Graciliano Ramos, em Angústia, p. 24]</i></span></div>
<div style="background-color: white; line-height: 20px;">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; line-height: 20px; text-align: justify;">
<span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;">Parece-me que estou a perder tudo. Continuamente, tudo escapa-me. Nada fica no meu coração. Tenho visões. Pensamentos confusos. Lembranças embaçadas. Cada dia tenho mais medo. Cada dia endureço mais. Perdi o sono novamente. Difícil dormir. Ando intranquila. Atormentada com a memória infalível do teu riso. Da tua graça. De ti. Por que não me permites sossegar o coração? Coisas que antigamente me agradavam tornaram-se insustentáveis de se realizar: ler um livro, ver um filme, estar com amigos. Tudo é difícil, pesado, insuportável. Perdi muito com o pensamento em ti. E algumas perdas, percebo com dor, são irreparáveis. Sento-me no bosque. Gosto de ver desconhecidos. Tento adivinhar-lhes os gostos, os sorrisos. Trazem algo no coração? Estão tão assustados quanto eu? Conseguem dormir ao encostar a cabeça no travesseiro? Penso: nada mais me afeta. No entanto, enchem-se de lágrimas </span><span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;">meus olhos </span><span style="color: #444444; font-family: Verdana, sans-serif;">apenas com o balançar das árvores pelo vento. Fecho meus olhos. Sinto o vento dentro de mim. Peço tranquilidade para os meus dias. Esperança para os meus sonhos. Coragem para continuar. Os anos pesam sobre meu corpo. Minha face expõe os primeiros estragos do tempo. Pessoas ao meu lado conversam e a vida parece-me tão simples, agora. Não mais escuridão profunda. Gosto de olhar as pessoas. </span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-80297732396200611022014-09-12T15:38:00.000-03:002014-10-08T19:57:46.042-03:00É da tua mão que eu preciso agora<div style="text-align: justify;">
<a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/Pessoas/tinasosna1_zpsad6b2296.jpg.html" style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/proxy/AVvXsEgeUaCW-gOaERSlFMMLxPdjP4FIg6knyPc_35FL2HIn8GkbRb_P9rW7i2Nnw-7BlDzxJXUcI5RXxbF9Sso57cmqxn1JWXIpuh8Q5krXYRJN_n3CKu5_5YXqkUuEYXXQMk2vbp-4yEjZVY04BYY2kVLmjqh70__pwTNMsl-hAW2yPF1lGrIr6944B5agVN44=" /></a></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
<span style="font-size: x-small;"><div style="text-align: justify;">
Fonte: Tina Sosna</div>
</span><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É da tua mão que eu preciso agora. Há momentos, sabes, que me sinto tão cansado, todos estes dias cheios de palavras que me fogem. Então penso em ti: Joana. Penso: vou contar-te uma coisa. Há pouco tempo morreu a filha de um amigo meu, homem generoso e bom, melhor do que alguma vez fui. Um cemitério é um lugar horrível e a dor dele doía-me. Depois de tudo acabar voltei para o automóvel. Eram muitos passos nas veredas a voltarem para os automóveis. O caixãozinho branco. Aquelas árvores que tu conheces de quando a gente há dois anos. Despedi-me das pessoas um pouco ao acaso, sem sentir os dedos que apertava: têm tantos dedos as pessoas. Nem me lembro já porquê abri a mala do carro. Estavam lá dentro coisas tuas de Espanha: batas, papéis, as inutilidades confusas que estás sempre a juntar. Peguei numa das tuas batas, abracei-a. E desatei num choro de menino, de cabeça inclinada para a mala do carro na esperança de que não me vissem. Depois lá enxuguei o nariz à manga</div>
<div style="text-align: justify;">
nunca perdi o hábito de enxugar o nariz à manga</div>
<div style="text-align: justify;">
engoli-me a mim mesmo e vim-me embora. Sempre que me sento no teu carro lembro-me de ti. Também me lembro quando não me sento no carro mas sempre que me sento no carro lembro-me de ti. De ti e de Malanje onde começaste a ser, e as mangueiras tremem-me no interior do sangue.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas é da tua mão que eu preciso agora. Há momentos em que me farto de ser homem: tudo tão pesado, tão estranho, tão difícil. Eu vou tendo paciência e no entanto, às vezes as coisas magoam, há ideias que entram na gente como espinhos. Não se podem tirar com uma pinça: ficam lá. É então que a cara principia a estragar-se e a gente</div>
<div style="text-align: justify;">
dizem </div>
<div style="text-align: justify;">
envelhece. Necessito de muito pouca coisa hoje em dia: uns livros, o meu trabalho de escrever, amigos que se estreitam com o tempo, alguns deixados para trás, não sei onde. A minha avó dizia que fui a pessoa por quem chorava mais. Nunca acreditei. Era autoritária, mimada, sedutora: tratava-me tão bem! Jogávamos a ver qual de nós dois conquistava o outro: andávamos mais ou menos empatados </div>
<div style="text-align: justify;">
(sabes como detesto perder) </div>
<div style="text-align: justify;">
e nisto ela morreu. Recordo-me de sair de sua casa e vir à cervejaria comer. Ainda não tinha tempo de sentir-lhe a ausência. Pedi o jornal desportivo ao empregado. Ao voltar para cima achei-a vestida sobre a cama. </div>
<div style="text-align: justify;">
Agora é novembro, tenho frio, ando às voltas com um romance de que não estou a gostar. Nunca estou a gostar do que escrevo, acho aquele em que trabalho o mais difícil, acho que as palavras me derrotam. Frases puxadas como pedras de um poço que não vejo. Banalidades que me indignam por estarem tão longe do que quero. Capítulos que me fogem, o plano da história dinamitado pelos caprichos da minha mão, que não faz o que pretendo: escapa-se sempre, inventa, tenho de apanhá-la a meio de um período inverosímil. Talvez seja por isso que preciso da tua. Ou não por isso: não bebo e no entanto há alturas em que me sinto tão só que é quase o mesmo. E sem essa solidão não me é possível escrever. O meu amigo a quem morreu a filha chama-se José Francisco. Quando sorri os cantos da boca parecem levantar voo. Faz-me bem. Gostava de sorrir assim. Experimentei ao espelho e não é igual. Quer dizer, a boca curvou-se mas os olhos ficaram fixos, duros. Deixei de sorrir e enchi a cara de espuma da barba, até ser apenas nariz e olhos. Então sorri outra vez e os olhos acharam graça e mudaram. Os meus olhos sérios olhavam para os meus olhos divertidos. Pisquei o esquerdo e o espelho piscou o direito. Lavei a cara, apaguei a luz, saí. Por um segundo veio-me a sensação de caminhar em Malanje. Aquele cheiro da terra, demorado, opaco, violento. E pronto, é tarde. Em chegando ao fim da página acabou-se. Ponho a tampa na caneta, os cotovelos na mesa e fico a observar a parede. Nem vou reler isto, mando tal e qual. Prefiro observar a parede, deixar-me impregnar devagarinho pela essência das coisas. Esta cadeira, aquele móvel, uma manchinha de cinza no chão, as minhas mãos geladas de frio a acabarem esta crónica. Se calhar amanhã telefono-te. Ou regresso ao romance na teimosia dos cães. Penso: nem que deixe a pele nele hei-de conseguir acabá-lo. Comecei-o no princípio de outubro, falta muito. Alinho os papéis, ponho tudo em ordem para a escrita. Nem que deixe a pele nele hei-de conseguir acabá-lo. Leio a última frase, continuo. Só por um bocadinho de nada, antes que continue, importas-te de tirar as batas do carro? Importas-te de me dar a mão? </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
[António Lobo Antunes, em Segundo Livro de Crónicas]</div>
</span>
<!-- Blogger automated replacement: "https://images-blogger-opensocial.googleusercontent.com/gadgets/proxy?url=http%3A%2F%2Fi279.photobucket.com%2Falbums%2Fkk156%2Fkklinne%2FPessoas%2Ftinasosna1_zpsad6b2296.jpg&container=blogger&gadget=a&rewriteMime=image%2F*" with "https://blogger.googleusercontent.com/img/proxy/AVvXsEgeUaCW-gOaERSlFMMLxPdjP4FIg6knyPc_35FL2HIn8GkbRb_P9rW7i2Nnw-7BlDzxJXUcI5RXxbF9Sso57cmqxn1JWXIpuh8Q5krXYRJN_n3CKu5_5YXqkUuEYXXQMk2vbp-4yEjZVY04BYY2kVLmjqh70__pwTNMsl-hAW2yPF1lGrIr6944B5agVN44=" -->K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-30285932129294273232014-09-09T21:15:00.001-03:002014-10-08T19:58:36.279-03:00V<div style="background-color: white;">
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica Neue, Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: x-small;"><span style="line-height: 20px;"><a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/Pessoas/martalaura2.jpg.html" target="_blank"><img alt=" photo martalaura2.jpg" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/Pessoas/martalaura2.jpg" /></a></span></span></div>
<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: 'Helvetica Neue', Helvetica, Arial, sans-serif; line-height: 20px;">
<span style="font-size: xx-small;">Fonte: Marta Laura</span></div>
<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: 'Helvetica Neue', Helvetica, Arial, sans-serif; line-height: 20px;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<i>Depois, quero esquecer.<br />Tens razão, Halla.<br />Estará morto depois do esquecimento.<br />E eu arrancarei o coração com as mãos se ele falhar e lembrar.<br />Arrancarei o coração e, depois de seco, servirá de trapo para limpar apenas coisas estúpidas. <br />Coisas vugares.<br />Não servirá para mais nada.<br /><br />[Valter Hugo Mãe, em A desumanização]</i><br />
<i><br /></i>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Difícil controlar o pensamento. Quando dou-me conta, encontro-me na pista de dança, encontro-me na tua cama, encontro-me no teu abraço. Encontro-me em ti. Escrevo estas folhas a custa de que algo alivie aqui dentro. De que consiga respirar melhor. Tu estás em todos os lugares e em todas as melodias que escuto. Imagino o teu perdão. Imagino o perdão pelas minhas mãos. Tua boca a procurar a minha, silenciosamente, como nos dias de calor. Não há mais tempo para desassossegos. Não há mais tempo para nós. A tua lembrança me atormenta. Aos poucos, tu morres em mim. Quando me deito, tu morres um pouco. Quando acordo, já tens morrido o suficiente. Morres em mim a cada minuto. No entanto, nunca estiveste tão vivo. Queria te matar. Arrancar do peito a tua lembrança. Tua voz. Teus gostos. Queria arrancar do peito o mal que me fizeste. E perdoar-te. Embora meu perdão nada seja no teu deserto. Embora nunca precises. Eu, que nada fui para ti. Deixaste-me sangrando no mesmo lugar onde salvaste-me a vida. Fecho os olhos e custo a acreditar nas imagens que se formam. Como foste capaz de me magoar assim? Não consigo te perdoar. Agora, quero esquecer-te. Fechar os olhos e ver o mundo. Mas não o teu riso. Tudo menos o teu riso.</div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-79704470615930518822014-08-28T15:51:00.001-03:002015-02-24T22:23:07.224-03:00[IV]<div style="text-align: justify;">
<a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/Pessoas/GraccedilaLoureiroolhos_zps65e8ca38.jpg.html" target="_blank"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img alt=" photo GraccedilaLoureiroolhos_zps65e8ca38.jpg" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/Pessoas/GraccedilaLoureiroolhos_zps65e8ca38.jpg" height="440" width="640" /></span></a><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: xx-small;">Fonte: Graça Loureiro</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: xx-small;"><br /></span>
Acreditei que tua pele em contato com a minha estivesse a dizer algo. A mim, disse-me muito. Acertou-me em cheio. O que nos acontece? O que devo fazer? Como abrir os olhos e sair do campo traiçoeiro do teu olhar a me encher de ternura? Queria ter orgulho suficiente para te negar. Não mais te procurar. Não mais forjar encontros. Não mais te enviar as melodias que me transportam ao teu lado. Não mais te ter no meu peito. Entendi o teu recado? Era mesmo isso que tu querias me dizer sem palavras? Era esse o conteúdo do teu silêncio? Ignoro o que passas a ti. Um cansaço devastador corrói-me tudo. Tudo em mim morre. Estou seca. Esperei que me desses água. Tu, que eras como água límpida para minha boca. Hoje, não se passa absolutamente nada. Entre nós, tudo secou. Te perdi. Tu me perdeste. Desconheço qual seja o desastre pior. Perdemos-nos. Não há nada que estanque esse sangue.</span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-1068504146869437812014-08-22T14:54:00.002-03:002014-12-06T19:42:02.122-03:00[III]<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: xx-small;"><a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/Pessoas/GraaLoureiro_Coucou_olhares_zps4153412c.jpg.html" target="_blank"><img alt=" photo GraaLoureiro_Coucou_olhares_zps4153412c.jpg" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/Pessoas/GraaLoureiro_Coucou_olhares_zps4153412c.jpg" /></a></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: xx-small;"><br /></span>
<span style="font-size: xx-small;">Fonte: Graça Loureiro</span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Continuo assustada com meus caminhos. Eu, que já não contava com a resposta que acalmaria essa aflição, tive muito mais: tive a ti. Quando te vi, sucedeu de o tempo tomar outro curso. Paralisei-me. Bebi. Tentei parecer segura de mim. O que te trouxe até mim ainda parece-me sombrio. Remorso pelo súbito silêncio? Impulso motivado pelo álcool? Ou minha dança te atraía? Nunca saberei. Quando me dei conta, tu estavas aqui, ao lado. Meu corpo ganhou novas conformações. Julguei, por um momento, que meu coração saltaria no meio da pista de dança - e só assim, quem sabe, eu poderia livrar-me dele. Quando disseste "Vens comigo?" fui devastada por tamanha felicidade, pensei que não escaparia. Não escapei. Não escapei dos teus encantos. Não escapei do domingo. Meu corpo continua na tua cama; a tua mão, no meu seio, a escutar os sons do meu corpo. Permaneço junto a ti. E esta imobilidade do corpo confunde meus passos. Não sei por onde sigo. Perdi-me nos meus dias. Recebi tuas migalhas amorosas e a vida pareceu-me mais que possível. Pareceu-me bonita. Tive vontade de vivê-la. Hoje arrasto-me devagar pelas horas a espera, mais uma vez, da tua resposta. Não sei se virá. Ou como virá. Ainda vivo no domingo. Vivo em tormento de alma. </span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-78623519355594371272014-08-08T15:23:00.001-03:002015-03-10T11:58:29.587-03:00[II]<div style="text-align: justify;">
<a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/Pessoas/reachingoutgracaloureiro_zps7d12cec6.jpg.html" target="_blank"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img alt=" photo reachingoutgracaloureiro_zps7d12cec6.jpg" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/Pessoas/reachingoutgracaloureiro_zps7d12cec6.jpg" /></span></a><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: xx-small;">Fonte: Graça Loureiro</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Tua boca ainda permanece junto a minha quando fecho os olhos. Não sei porque não consigo te acertar o coração. Nossas mãos se desencontram e nossos pés andam em desalinho. Não seremos nada. Não consigo ser nada para ti. Hoje, que tenho eu a te oferecer além desse coração surrado, cansado e moído pelos dias? Não há nada dentro de mim para te oferecer, enquanto acreditei que poderia te oferecer tudo. Graças a ti, encontrei-me na minha própria escuridão. Por pouco, deixei de sentir frio. Não medo. Fui tomada por uma ternura desmedida no coração. Este, que poderia ter sido teu, se tivesses querido. Sinto falta do que nós não pudemos viver e isso dói-me assustadoramente. Porque tu em mim não foste mais que uma invenção da esperança. Estavas fechado, como eu mesma me vejo agora. Não há nada mais que eu possa fazer. Fiz tanto e tu nunca saberás. Fiz muito dentro do meu coração. Por que não pudemos ser recíprocos? </span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-50128540878657073232014-07-23T13:48:00.000-03:002014-12-06T19:44:38.138-03:00[I]<a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/Pessoas/427504-grac3a7aloureiro_zpsdd89ec2f.jpg.html" target="_blank"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><img alt=" photo 427504-grac3a7aloureiro_zpsdd89ec2f.jpg" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/Pessoas/427504-grac3a7aloureiro_zpsdd89ec2f.jpg" /></span></a><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: xx-small;">Fonte: Graça Loureiro</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Sou feliz na hora errada.</span></i><br />
<i><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Infeliz quando todos dançam.</span></i><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><i><br /></i>
<span style="font-size: x-small;"><i>[Clarice Lispector, Um sopro de vida]</i></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Ando na rua numa atenção desmedida. Forjo encontros. Imagino situações em que seria possível te ver. Um cruzamento qualquer. Avenida da Universidade, Jaime Benévolo, 17 horas. Sei que o destino não seria tão bondoso para nos conceder mais um mísero esbarrão. Um encontro. Talvez, casual. Naquela sexta, distraída a atravessar a avenida, meu coração tropeçou. Eras tu. Tu sorriste, desajeitadamente, e passou por mim. Decidido. Em nenhum momento, ao te acompanhar com o corpo pela avenida, observei que tu tiveste o impulso de parar. Eu, imóvel, tentei resgatar o ar que me perdia. Seguir meu curso. Obviamente, não consegui. Comer se configurou uma atividade impossível. Até a água a descer doía-me em todos os órgãos. Pensei em como era fácil para ti seguires o curso do teu dia. E me senti miseravelmente miúda. Tonta. Idiota. Imaginei-te ao almoço, aqui tão perto de mim. Pensei: será que engolias com facilidade? será que a tua comida tinha gosto ou te cortava a garganta, como a mim? Desconheço teus passos. Desconheço o que sentes. Tu nunca me procuraste. Entretanto, eu estava ali. Completamente tua, se tivesses querido. Bastava a ti um leve aceno, um sorriso bobo e eu já estaria ao teu lado. Nunca te diria: Não, Tenho que ver a agenda ou Preciso estudar. Quando te vi, bêbada e estragada pela noite, pensei: não há nada. Ao acordar, com as tuas primeiras palavras, havia tudo. O modo como sorrias, ou como timidamente me beijavas o canto dos lábios, encheram de ternura o meu coração. Não seria possível falar do quanto tu me atingiste: como uma avalanche, dissipou meu projeto de paz. Por que não te toquei como tu avassaladoramente me tocaste, tomaste-me de mim mesma? Por que não pudemos ser recíprocos? Hoje, o sorriso custa-me alguma força. Ando devagar e atravesso as ruas atenta, esperando algum sinal teu. Mas sei, cá no meu peito, que tu não vens. Não virás nunca mais. </span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-49041083413257005792014-04-27T21:16:00.001-03:002014-10-08T20:02:12.154-03:00Dos dias precedentes<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/Pessoas/jillcoleman.jpg.html" target="_blank"><img alt=" photo jillcoleman.jpg" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/Pessoas/jillcoleman.jpg" /></a></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: xx-small;">Fonte: Jill Coleman</span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: xx-small;"><br /></span>
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">[I]<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Nas
noites que antecediam aquelas quintas-feiras, eu já não dormia, comia, ou lia.
Meus gestos ou qualquer tentativa de sair daquela imobilidade resultavam: nulos.
As horas que antecediam aquelas quintas-feiras: a escolha dos lençóis, as
toalhas lavadas, os livros deliberadamente espalhados pela mesa, pedaços meus
pela casa, junto com o cheiro do sabonete e hidratante e perfume que ecoavam
pelo corredor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Não
recordo qual a razão, se a contagem dos minutos até que o celular sinalizasse e
surgisse na tela - Aqui - impossibilitava a realização dessas tarefas, se a
fome do corpo tornava-se tão voraz a ponto de paralisar, se as lembranças de
outras quintas-feiras evocavam a memória corporal e fechar os olhos e recordar
era a resposta oferecida pelo meu corpo para conter tamanha aflição; mas em
algum momento, no decurso desses meses, a única alternativa viável para o
coração e para o corpo tornou-se: esperar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Essa
tarefa que me impus - esperá-lo - não era fácil. Imóvel, deitada na cama, sem
roupa, cabelos molhados, meu cheiro ecoando na casa pelo corredor com o vento
da janela, o celular na mão a espera daquela palavra que era luz, que me
salvaria de mais uma noite jogada nesse mundo sem ninguém, sem esperanças,
vazia, cansada, coração seco como um trapo, apertado, disparado, coração a
esperar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">[II]<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Tudo
começou numa quinta-feira. Os meses, eu cansei de contá-los. Antes de desabarem
sobre mim aqueles sábados e domingos e segundas - até chegar o dia em que meus
lábios encontrariam o céu, meu corpo, a vida - eu era agonia. Carne viva,
tormento no coração. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Seu
cheiro, sua maneira de entrar e segurar o meu braço enquanto a porta era
fechada. O modo como segurava o meu cabelo e o retirava do meu rosto, o meu
rosto envergonhado, meus olhos que encaravam o chão, nunca seus olhos. Sua
forma de me conduzir pelo corredor até a cama, mãos perscrutando meu corpo numa
abordagem silenciosa, fatal, arrebatadora, até tirar qualquer pensamento,
qualquer vestígio de palavra, de linguagem, de fôlego, restando apenas
suspiros, sussurros compreendidos pelos nossos corpos juntos, sua língua no meu
ouvido, suas pernas a me segurar, sua mãos no controle. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">-
Aqui. E toda a devastação concedida por uma única palavra: - Aqui. O barulho do
seu carro parando, - Aqui. Uma porta a separar nossos corpos, - Aqui. O som do
celular e o sorriso a me escapar,- Aqui. E então o céu vinha até mim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">[III]<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Esqueci,
com o passar dos meses, como ficar em paz. Seu cheiro, sua forma de sair do
carro, abrir o portão, suas mãos em mim ainda no corredor a descer e subir,
percorrendo lugares que eu até então não conhecia. Sua voz: - Te quero. Sua
boca - como água pura - era remédio, recompensa, salvação daqueles dias de cão,
os dias que passava a esperá-lo. Sempre e cada vez com mais agonia. As palavras
sufocadas pela voz do corpo. O corpo tomado pelo desejo. O desejo sufocado pela
espera. Como o mundo pareceria possível?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">O
tempo que passei a esperá-lo. Os dias que passei a esperá-lo. Os meses que
passei a esperá-lo. Inútil, algumas vezes. Eu, deitada, meu cheiro ecoando pela
janela, celular em mãos: - Não. Inútil. Meu cheiro pelo corredor, nos lençóis:
- Não. A toalha limpa encostada à cabeceira da cama: - Não. Eu, aos solavancos
- numa mistura de líquidos, lágrimas, sintéticos, unhas roídas, cabelos caídos
- tentando me erguer. Tudo resultou em erro. Tudo era erro, desde o princípio.<o:p></o:p></span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-63842059333745968672013-05-31T23:54:00.000-03:002014-10-08T20:03:01.787-03:00Das viagens<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><a href="http://s279.photobucket.com/user/kklinne/media/Paisagens/08with_my_eyes_11.jpg.html" target="_blank"><img alt=" photo 08with_my_eyes_11.jpg" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/Paisagens/08with_my_eyes_11.jpg" /></a></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida em que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Italo Calvino,<i> in</i>: As Cidades Invisíveis, p. 28.</span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-81304101609120853062012-11-08T01:10:00.001-03:002014-08-22T14:33:23.650-03:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div style="text-align: center;">
A gente não suporta a paz</div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-51009227018425489902012-11-04T22:49:00.002-03:002013-01-11T16:39:33.474-03:00Amor como atalho e labirinto<a href="http://s279.beta.photobucket.com/user/kklinne/media/Dizeres/576522_10151226270920589_2111111561_n-1.jpg.html" target="_blank"><img alt="Photobucket" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/Dizeres/576522_10151226270920589_2111111561_n-1.jpg" /></a>K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-80492560297047212702012-11-02T23:49:00.002-03:002014-10-08T20:04:39.293-03:00Do desassossego<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; line-height: 22.866666793823242px;"><span style="color: #7f7f7f; font-family: Verdana, sans-serif;"><a href="http://s279.beta.photobucket.com/user/kklinne/library/" target="_blank"><img alt="Photobucket" border="0" src="http://i279.photobucket.com/albums/kk156/kklinne/work24677092flat550x550075fstrawberry-fields-forever.jpg" height="521" width="640" /></a></span></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;"><br /></span></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">peguei no meu </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">coração</span></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">e pu-lo na minha mão</span></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.8666667938232px; text-align: justify;">
</div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">olhei-o como quem olha</span></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">grãos de areia ou uma folha</span></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
</div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">olhei-o pávido e absorto</span></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">como quem sabe estar </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">morto</span></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
</div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">com a alma só comovida</span></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">do </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">sonho</span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> e </span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">pouco da vida</span></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div style="color: #7f7f7f; line-height: 22.866666793823242px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Fernando Pessoa<i> in:</i> Livro do Desassossego</span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-76196571738077696202012-10-28T21:56:00.000-03:002014-10-08T20:05:08.522-03:00Os Três Mal-Amados<em style="background-color: white; font-family: Verdana;"><strong>Joaquim:</strong></em><br />
<div align="left" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><em><strong><br /></strong></em></span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;">O amor comeu meu <b><span style="font-size: large;">nome</span></b>, minha <b><span style="font-size: large;">identidade</span></b>, meu <b><span style="font-size: large;">retrato</span></b>. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.</span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;">O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.</span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;">O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.</span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;"><span style="font-size: large;"><b>O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia</b>.</span> Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.</span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;">Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.</span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;">O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. </span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;"><b><span style="font-size: large;">Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.</span></b></span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;">O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu </span><span style="font-family: Verdana; font-size: large;"><b>tornara a escrever meu nome</b>.</span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;">O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.</span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;">O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. <b><span style="font-size: large;">Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.</span></b></span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;">O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.</span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana;">O amor comeu minha<span style="font-size: large;"> <b>paz</b></span> e minha <b><span style="font-size: large;">guerra</span></b>. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu<b> <span style="font-size: large;">silêncio</span></b><span style="font-size: x-small;">,</span> minha <b><span style="font-size: large;">dor de cabeça</span></b>, meu <b><span style="font-size: large;">medo da morte</span></b>.</span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div align="justify" style="background-color: white;">
<span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Verdana;">[João Cabral de Melo Neto </span><i style="font-family: Verdana;">in</i><span style="font-family: Verdana;">: Obras Completas]</span></span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-58134347834559237282012-06-19T18:05:00.001-03:002014-10-08T20:05:54.228-03:00Vai passar<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyAMlN9sq8kiGnVQXSTcYZwMByJxDWMM4xeqPx9MM9TPJd259Ccm-9WO94oWLpaHXg7hkCYQ9AGHMhXjG-HjJ7gIiZgkejJj6aibXyb_NmNdyq0zJ5cxlTjjs8hErfl7JScAwUkQ/s1600/218792_10150176906609356_5867844_o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyAMlN9sq8kiGnVQXSTcYZwMByJxDWMM4xeqPx9MM9TPJd259Ccm-9WO94oWLpaHXg7hkCYQ9AGHMhXjG-HjJ7gIiZgkejJj6aibXyb_NmNdyq0zJ5cxlTjjs8hErfl7JScAwUkQ/s1600/218792_10150176906609356_5867844_o.jpg" /></a></div>
<span style="background-color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Nicolas Gouny</span></span><br />
<span style="background-color: white;"><br /></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><b><span style="font-size: large;">Vai passar</span>,</b> tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas
dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol
quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso
vital". Pois esse impulso <span style="font-size: large;"><b>às vezes cruel</b></span>, porque não permite que nenhuma
dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar,
para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um
movimento te supreenderás pensando algo como <span style="font-size: large;"><b>"estou contente outra
vez"</b></span>. Ou simplesmente <span style="font-size: large;"><b>"continuo"</b></span>, porque já não temos mais idade
para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre"
ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre
a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio
nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. <b><span style="font-size: large;">Contidamente,
continuamos.</span></b> E substituimos expressões fatais como "não resistirei"
por outras mais mansas, como <span style="font-size: large;"><b>"sei que vai passar"</b></span>. Esse o nosso jeito
de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em
decisões, apenas em <b><span style="font-size: large;">paciência</span></b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Claro que no começo <b><span style="font-size: large;">não terás sono ou dormirás demais</span></b>.
<span style="font-size: large;"><b>Fumarás muito</b></span>, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses
<span style="font-size: large;"><b>comprimidos para disfarçar a dor</b></span>. Claro que no começo, pouco depois de acordar,
olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se
na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás
com cuidado, de <b><span style="font-size: large;">"uma ausência"</span></b>. E haverá momentos em que esse osso
duro se transformará numa espécie de <span style="font-size: large;"><b>coroa de arame farpado sobre tua cabeça</b></span>,
em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas
como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse
nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as
plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve <span style="font-size: large;"><b>levar embora
memórias e cansaços.<o:p></o:p></b></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o
ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas
as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero
roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar.
<b><span style="font-size: large;">Então fingirás </span></b>- aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será
diferente, <b><span style="font-size: large;">que as coisas sempre se renovam</span></b>. <span style="font-size: x-large;"><b>Embora saibas que há perdas
realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho.</b></span>
Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda
cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo,
naquele, e sentirás uma <b><span style="font-size: large;">vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a
casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou
telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma
carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com
chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua
testa.</span></b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><b><span style="font-size: large;"><br /></span></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><b><span style="font-size: x-large;">Já não é tempo de desesperos</span></b>. Refreias quase seguro as
vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas
uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">- ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga:
inventa o gosto insípido na boca seca ... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">(Caio Fernando Abreu, <i>In</i> Dispersos)</span></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-28650339633906341832012-06-14T14:41:00.001-03:002014-10-08T20:07:34.464-03:00<div style="text-align: left;">
</div>
<div class="MsoNormal">
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span lang="EN-US">Eu sabia
que era <b><span style="font-size: large;">forte</span></b>, e talvez, como eles mesmos diziam,<span style="font-size: large;"><b> ‘louco’.</b></span></span><br />
No entanto, tinha essa sensação de que havia algo<b><span style="font-size: large;"> verdadeiro</span></b>
acontecendo aqui dentro.<br />
Talvez fosse a merda endurecida, mas era mais do que qualquer
um deles tinha.<br /><span style="font-size: x-large;"><b>
Eu estava a postos.</b></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><br /><span style="font-size: x-small;">Bukowski, <i>Misto Quente</i></span></span><o:p></o:p></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-9857663268012596022012-03-30T15:04:00.003-03:002014-10-08T20:08:06.494-03:00A doença<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Doutor, sinto algo mortal</span><br />
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">aqui na região do meu ser.</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Doem-me todos os órgãos:</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">de dia dói-me o sol, </span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">e à noite a lua e as estrelas.</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Sinto uma pontada na nuvem do céu</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">em que até então nem tinha reparado</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">e acordo todas as manhãs</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">com uma sensação de inverno.</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Em vão tomei toda espécie de medicamentos,</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">odiei e amei, aprendi a ler,</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">e até li alguns livros.</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Falei com homens e pensei: fui bom e fui belo.</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Mas tudo isso não teve nenhum efeito,</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">doutor.</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">E gastei com isso um montão de anos.</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Penso que adoeci de morte</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">um dia, </span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">quando nasci.</span></div>
<div style="font-style: normal;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div>
<i><span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Marin Sorescu</span></i></div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-77777434709407757772012-03-07T16:25:00.006-03:002014-10-08T20:08:46.898-03:00QUANDO Ana me deixou<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">– essa frase ficou na minha cabeça, de dois jeitos – e depois que Ana me deixou. Sei que não é exatamente uma frase, só um começo de frase, mas foi o que ficou na minha cabeça. Eu pensava assim: quando Ana me deixou – e essa não-continuação era a única espécie de não continuação que vinha. Entre aquele quando e aquele depois, não havia nada mais na minha cabeça nem na minha vida além do espaço em branco deixado pela ausência de Ana, embora eu pudesse preenchê-lo – esse espaço branco sem Ana – de muitas formas, tantas quantas quisesse, com palavras ou ações. Ou não-palavras e não-ações, porque o <span style="font-size: x-large;"><b>silêncio</b></span> e a <span style="font-size: large;"><b>imobilidade</b></span> foram dois dos jeitos menos dolorosos que encontrei, naquele tempo, para ocupar meus dias, meu apartamento, minha cama, meus passeios, meus jantares, meus pensamentos, minhas trepadas e todas essas outras coisas que formam uma vida com ou sem alguém como Ana dentro dela.</span></div>
<div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; font-weight: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"> <o:p></o:p></span></div>
<div style="background-color: white; font-style: normal; line-height: 13.5pt; margin: 8.4pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"><span style="font-size: 100%;">Quando Ana me deixou, eu fiquei muito tempo parado na sala do apartamento, cerca de oito horas da noite, com o bilhete dela nas mãos. No horário de verão, pela janela aberta da sala, à luz das oito horas da noite podiam-se ainda ver uns restos dourados e vermelho deixados pelo sol atrás dos edifícios, nos lados de Pinheiros. Eu fiquei muito tempo parado no meio da sala do apartamento, o último bilhete de Ana nas mãos, olhando pela janela os dourados e o vermelho do céu. E lembro que pensei agora o telefone vai tocar, </span><span style="font-size: large;"><b>e o telefone não tocou,</b></span><span style="font-size: 100%;"> e depois de algum tempo em que o telefone não tocou, e podia ser Lucinha da agência ou Paulo do cineclube ou Nelson de Paris ou minha mãe do Sul, convidando para jantar, para cheirar pó, para ver Nastassia Kinski nua, pergunrando que tempo fazia ou qualquer coisa assim, então pensei agora a campainha vai tocar. Podia ser o porteiro entregando alguma dessas criancinhas meio monstros de edifício, que adoram apertar as campainhas alheias, depois sair correndo. Ou simples engano, podia ser. </span><b><span style="font-size: large;">Mas a campainha também não tocou</span></b><span style="font-size: 100%;">, e eu continuei por muito tempo sem salvação parado ali no centro da sala que começava a ficar azulada pela noite, feito o interior de um aquário, o bilhete de Ana nas mãos,</span><span style="font-size: large;"> <b>sem fazer absolutamente nada além de respirar.</b></span><span style="font-size: 100%;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; font-weight: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"> <o:p></o:p></span></div>
<div style="background-color: white; font-style: normal; line-height: 13.5pt; margin: 8.4pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"><span style="font-size: 100%;">Depois que Ana me deixou – não naquele momento exato em que estou ali parado, porque aquele momento exato é o momento-quando, não o momento-depois, e no momento-quando não acontece nada dentro dele, somente a ausência da Ana, igual a </span><b><span style="font-size: large;">uma bolha de sabão redonda, luminosa, suspensa no ar, bem no centro da sala do apartamento</span></b><span style="font-size: 100%;">, e dentro dessa bolha é que estou parado também, suspenso também, mas não luminoso, ao contrário, opaco, fosco, sem brilho e ainda vestido com um dos ternos que uso para trabalhar, apenas o nó da gravata levemente afrouxado, porque é começo de verão e o suor que escorre pelo meu corpo começa a molhar as mãos e a dissolver a tinta das letras no bilhete de Ana – depois que Ana me deixou, como ia dizendo, dei para beber, como é de praxe.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; font-weight: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"> <o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-style: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"><span style="font-size: 100%;">De todos aqueles dias seguintes, só guardei três gostos na boca – </span><span style="font-size: large;"><b>de vodca, de lágrima e de café</b>.</span><span style="font-size: 100%;"> O de vodca, sem água nem limão ou suco de laranja, vodca pura, transparente, meio viscosa, durante as noites em que chegava em casa e, sem Ana, sentava no sofá para beber no último copo de cristal que sobrara de uma briga. O gosto de lágrimas chegava nas madrugadas, quando conseguia me arrastar da sala para o quarto e me jogava na cama grande, sem Ana,</span><b><span style="font-size: x-large;"> </span></b><span style="font-size: x-large;"><b>cujos lençóis não troquei durante muito tempo porque ainda guardavam o cheiro dela</b></span><span style="font-size: 100%;">, e então me batia e gemia arranhando as paredes com as unhas, abraçava os travesseiros como se fossem o corpo dela, e chorava e chorava e chorava até dormir sonos de pedra sem sonhos. O gosto de café sem açúcar acompanhava manhãs de ressaca e tardes na agência, entre textos de publicidade </span><span style="font-size: large;"><b>e sustos a cada vez que o telefone tocava</b>.</span><span style="font-size: 100%;"> Porque no meio dos restos dos gostos de vodca, lágrima e café, entre as pontadas na cabeça, o nojo da boca do estômago e os olhos inchados, </span><b><span style="font-size: x-large;">principalmente às sextas-feiras, pouco antes de desabarem sobre mim aqueles sábados e domingos nunca mais com Ana</span></b><span style="font-size: 100%;">, vinha a certeza de que, de repente, bem normal, alguém diria </span><b><span style="font-size: large;">telefone-para-você</span></b><span style="font-size: 100%;"> e do outro lado da linha aquela voz conhecida diria </span><span style="font-size: large;"><b>sinto-falta-quero-voltar</b>.</span><span style="font-size: 100%;"> Isso nunca aconteceu.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; font-weight: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"> <o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"><span style="font-size: 100%;">O que começou a acontecer, no meio daquele ciclo do gosto de vodca, lágrima e café, foi mesmo o gosto de vômito na minha boca. Porque no meio daquele momento entre a vodca e a lágrima, em que me arrastava da sala para o quarto, acontecia às vezes de o pequeno corredor do apartamento parecer enorme como o de um transatlântico em plena tempestade. Entre a sala e o quarto, em plena tempestade, oscilando no interior do transatlântico, eu não conseguia evitar de parar à porta do banheiro, no pequeno corredor que parecia enorme. Eu me ajoelhava com cuidado no chão, me abraçava na privada de louça amarela com muito cuidado, com tanto cuidado como se abraçasse o corpo ainda presente de Ana, guardava prudente no bolso os óculos redondos de armação vermelhinha, enfiava devagar a ponta do dedo indicador cada vez mais fundo na garganta, até que quase toda a vodca, junto com uns restos de sanduíches que comera durante o dia, </span><b>porque não conseguia engolir quase mais nada, naqueles dias, e o gosto dos muitos cigarros se derramassem misturados pela boca dentro do vaso de louça amarela que não era o corpo de Ana</b><span style="font-size: 100%;">. Vomitava e vomitava de madrugada, abandonado no meio do deserto como um santo que Deus largou em plena penitência – e só sabia perguntar por que, por que, por que, meu Deus, me abandonaste? Nunca ouvi a resposta.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; font-weight: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"> <o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"><span style="font-size: 100%;">Um pouco depois desses dias que não consigo recordar direito – nem como foram, nem quantos foram, porque deles só ficou aquele gosto de vômito, misturados, no final daquela fase, ao gosto das pizzas, que costumava perdir por telefone, principalmente nos fins-de-semana, e que amanheciam abandonadas na mesa da sala aos sábados, domingos e segundas, entre cinzeiros cheios e guardanapos onde eu não conseguia decifrar as frases que escrevera na noite anterior, e provavelmente diziam banalidades, como </span><b>volta-para-mim-Ana</b><span style="font-size: 100%;"> ou </span><b>eu-não-consigo-viver-sem-você</b><span style="font-size: 100%;">, palavras meio derretidas pelas manchas do vinho, pela gordura das pizzas -, depois daqueles dias começou o tempo em que eu queria matar Ana dentro de tudo aquilo que era eu, e que incluía aquela cama, aquele quarto, aquela sala, aquela mesa, aquele apartamento, aquela vida que tinha se tornado a minha depois que Ana me deixou.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; font-weight: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"> <o:p></o:p></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-style: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"><span style="font-size: 100%;">Mandei para a lavanderia os lençóis verde-clarinhos que ainda guardavam o cheiro de Ana – e seria cruel demais para mim lembrar agora que cheiro era esse, aquele, </span><span style="font-size: large;"><b>bem na curva onde o pescoço se transforma em ombro, um lugar onde o cheiro de nenhuma pessoa é igual ao cheiro de outra pessoa</b> </span><span style="font-size: 100%;">-, </span><b><span style="font-size: large;">mudei os móveis de lugar,</span></b><span style="font-size: 100%;"> comprei um Kutka e um Gregório, um forno microondas, fitas de vídeo, duas dúzias de copos de cristal, e comecei a trazer outras mulheres para casa. Mulheres que não eram Ana, </span><span style="font-size: large;"><b>mulheres que jamais poderiam ser Ana</b></span><span style="font-size: 100%;">, mulheres que não tinham nem teriam nada a ver com Ana. Se Ana tinha os seios pequenos e duros, eu as escolhia pelos seios grandes e moles, se Ana tinha os cabelos quase louros, eu as trazia de cabelos pretos, se Ana tivesse a voz rouca eu a selecionava pelas vozes estridentes que gemiam coisas vulgares quando estávamos trepando, bem diversas das que Ana dizia ou não dizia, ela nunca dizia nada além de amor-amor ou meu-menino-querido, passando dos dedos da mão direita na minha nuca e os dedos da mão esquerda pelas minhas costas. Vieram Gina, a das calcinhas pretas, e Lilian, a dos olhos verdes frios, e Beth, das coxas grossas e pés gelados, e Marilene, que fumava demais e tinha um filho, e Mariko, a nissei que queria ser loura, e também Marta, Luiza, Creuza, Júlia, Débora, Vivian, Paula, Teresa, Luciana, Solange, Maristela, Adriana, Vera, Silvia, Neusa, Denise, Karina, Cristina, Marcia, Nadir, Aline e mais de 15 Marias, e uma por uma das garotas ousadas da Rua Augusta, com suas botinhas brancas e minissaia de couro, e destas moças que anunciam especialidades nos jornais. Eu acho que já vim aqui uma vez, alguma dizia, e eu falava não lembro, pode ser, esperando que tirasse a roupa enquanto eu bebia um pouco mais para depois tentar entrar nela, mas meu pau quase nunca obedecia, então eu afundava a cabeça nos seus peitos e choramingava babando sabe, depois que Ana me deixou eu nunca mais, e mesmo quando meu pau finalmente endurecia, depois que eu conseguia gozar seco ardido dentro dela, me enxugar com alguma toalha e expulsá-la com um cheque cinco estrelas, sem cruzar ¿ então eu me jogava de bruços na cama e pedia perdão à Ana por traí-la assim, com aquelas vagabundas. </span><span style="font-size: x-large;"><b>Trair Ana, que me abandonara, doía mais que ela ter me abandonado</b>,</span><span style="font-size: 100%;"> sem se importar que eu naufragasse toda noite no enorme corredor de transatlântico daquele apartamento em plena tempestade, sem salva-vidas.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; font-weight: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"> <o:p></o:p></span></div>
<div style="background-color: white; font-style: normal; line-height: 13.5pt; margin: 8.4pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"><span style="font-size: 100%;">Depois que Ana me deixou, muitos meses depois, </span><span style="font-size: large;"><b>veio o ciclo das anunciações, do I Ching, dos búzios, cartas de Tarot, pêndulos, vidências, números e axés ¿ ela volta, garantiam, mas ela não voltava – e veio então o ciclo das terapias de grupo, dos psicodramas, dos sonhos junguianos, workshops transacionais, e veio ainda o ciclo da humildade, com promessas à Santo Antônio, velas de sete dias, novenas de Santa Rita, donativos para as pobres criancinhas e velhinhos desamparados, e veio depois o ciclo do novo corte de cabelos, da outra armação para os óculos, guarda-roupa mais jovem, Zoomp, Mister Wonderful, musculação, alongamento, yoga, natação, tai-chi</b></span><span style="font-size: 100%;">, halteres, cooper, e fui ficando tão bonito e renovado e superado e liberado e esquecido dos tempos </span><st1:personname productid="em que Ana" st="on" style="font-size: 100%; font-weight: normal;">em que Ana</st1:personname><span style="font-size: 100%;"> ainda não tinha me deixado que permiti, então, que viesse também o ciclo dos fins de semana em Búzios, Guarajá ou Monte Verde e de repente quem sabe Carla, mulher de Vicente, tão compreensiva e madura, inesperadamente, Mariana, irmã de Vicente, transponível e natural em seu fio dental metálico, por que não, afinal, o próprio Vicente, tão solícito na maneira como colocava pedras de gelo no meu escocês ou batia outra generosa carreira sobre a pedra de ágata, encostando levemente sua musculosa coxa queimada de sol e o windsurf na minha musculosa coxa também queimada de sol e windsurf. </span><b><span style="font-size: x-large;">Passou-se tanto tempo depois que Ana me deixou, e eu sobrevivi, que o mundo foi se tornando ao poucos um enorme leque escancarado de mil possibilidades além de Ana</span><span style="font-size: 100%;">.</span></b><span style="font-size: 100%;"> Ah esse mundo de agora, assim tão cheio de mulheres e homens lindos e sedutores interessantes e interessados em mim, que aprendi o jeito de também ser lindo, depois de todos os exercícios para esquecer Ana, e também posso ser sedutor com aquele charme todo especial de homem-quase-maduro-que-já-foi-marcado-por-um-grande-amor-perdido, embora tenha a delicadeza de jamais tocar no assunto. Porque nunca contei à ninguém de Ana. Nunca ninguém soube de Ana em minha vida. Nunca dividi Ana com ninguém. Nunca ninguém jamais soube de tudo isso ou aquilo que aconteceu quando e depois que Ana me deixou.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; font-weight: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"> <o:p></o:p></span></div>
<div style="background-color: white; font-style: normal; line-height: 13.5pt; margin: 8.4pt 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"><span style="font-size: 100%;">Por todas essas coisas, talvez, é que nestas noites de hoje, tanto tempo depois, quando chego do trabalho por volta das oito horas da noite e, no horário de verão, pela janela da sala do apartamento ainda é possível ver restos de dourados e vermelhos por trás dos edifícios de Pinheiros, enquanto recolho os inúmeros recados, convites e propostas da secretária eletrônica, sempre tenho a estranha sensação, embora tudo tenha mudado e eu esteja muito bem agora, de que este dia ainda continua o mesmo, como um relógio enguiçado preso no mesmo momento – aquele. Como se quando Ana me deixou não houvesse depois, e eu permanecesse até hoje aqui parado no meio da sala do apartamento que era o nosso, com o último bilhete dela nas mãos. A gravata levemente afrouxada no pescoço, fazia e faz tanto calor que sinto o suor escorrer pelo corpo todo, descer pelo peito, pelos braços, até chegar aos pulsos e escorregar pela palma das mãos que seguram o último bilhete de Ana, dissolvendo a tinta das letras com que ela compôs palavras que se apagam aos poucos, lavadas pelo suor, mas que não consigo esquecer, por mais que o tempo passe e eu, de qualquer jeito e sem Ana, vá </span><st1:personname productid="em frente. Palavras" st="on" style="font-size: 100%; font-weight: normal;">em frente. Palavras</st1:personname><span style="font-size: 100%;"> que dizem coisas duras, secas, simples, arrevogáveis. </span><b><span style="font-size: x-large;">Que Ana me deixou, que não vai voltar nunca, que é inútil tentar encontrá-la, e finalmente, por mais que eu me debata, que isso é para sempre</span></b><span style="font-size: 100%;">. Para sempre então, agora, me sinto uma bolha opaca de sabão, suspensa ali no centro da sala do apartamento, à espera de que entre um vento súbito pela janela aberta para levá-la dali, essa bolha estúpida, ou que alguém espete nela um alfinete, para que de repente estoure nesse ar azulado que mais parece o interior de um aquário, e desapareça sem deixar marcas.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-style: normal; font-weight: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;"><br /></span></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-size: 100%; font-weight: normal; line-height: 13.5pt; margin-bottom: 8.4pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 8.4pt; text-align: justify;">
<span style="color: #666666; font-family: Verdana;">Caio Fernando Abreu <i>in Os </i>Dragões não conhecem o Paraíso.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-size: 100%; font-style: normal; font-weight: normal; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana;"><o:p> </o:p></span></div>
</div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-2651573839582218652011-04-26T19:26:00.006-03:002014-10-08T20:09:28.544-03:00Pequenas Epifanias II<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="text-align: justify;">"</span><span style="text-align: justify;">Não, meu bem, não adianta bancar o distante</span></span><br />
<div>
<div>
<span style="color: #666666;"><span class="Apple-style-span"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span></span><br /></span>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span"><span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">lá vem o amor nos<span class="Apple-style-span"><b> <span class="Apple-style-span">dilacerar</span></b></span> de novo..."</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre <b><span class="Apple-style-span">amor</span></b>, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que <span class="Apple-style-span"><span class="Apple-style-span"><b>dói mais</b></span>.</span> Quando morre alguém que você ama, <span class="Apple-style-span"><b><span class="Apple-style-span">você se dói inteiro</span></b>(a)</span><span class="Apple-style-span">-</span> mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: <b><span class="Apple-style-span">meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado.</span></b> Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. <b><span class="Apple-style-span" style="font-size: large;">Mentira:</span><span class="Apple-style-span"> compreendo </span><span class="Apple-style-span">sim</span><span class="Apple-style-span">.</span></b> Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: <b><span class="Apple-style-span">ela amava alguém que não existia mais</span></b>, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;">Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, <b><span class="Apple-style-span"><span class="Apple-style-span">quando te amo tanto e tão além</span> </span></b>do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. <span class="Apple-style-span"><b><span class="Apple-style-span">Que imensa miséria o grande amor</span></b> </span>- depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><span class="Apple-style-span"><b><span class="Apple-style-span">Ai que dor</span>:</b></span> que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, <b><span class="Apple-style-span"><span class="Apple-style-span">"o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras"</span>.</span></b> E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.</span></div>
<span style="color: #666666; font-family: Verdana, sans-serif;"><br /><br />Caio Fernando Abreu, <i>Extremos da Paixão</i></span></div>
</div>
K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-85463296173668165142010-08-17T18:10:00.001-03:002014-10-08T20:19:52.844-03:00Tenho uma dor de concha extraviada.<span style="color: #666666; font-size: 100%;"><span style="font-family: verdana;">Uma dor de pedaços que não voltam.</span><br /><span style="font-family: verdana; font-size: 180%;"></span></span><br />
<span style="color: #666666;"><br /></span>
<span style="color: #666666; font-size: 85%;"><strong>Manoel de Barros</strong></span>K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-32291763.post-73453651645356598852010-07-22T22:43:00.005-03:002014-10-08T20:21:51.625-03:00Ao passado<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span"><span class="Apple-style-span" style="color: silver; font-family: verdana;"><span class="Apple-style-span" style="line-height: 20px;"></span></span></span></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: verdana; line-height: 20px;"><span style="color: #444444;">- Perdoaste?- perguntou por fim Mítia.</span></span></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="color: #444444; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">- </span><strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Eu te amo</span></strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"> porque teu coração é generoso!- disse Cátia - Não tens necessidade de meu perdão, nem eu tampouco do teu. Que me perdoes ou não, a lembrança de cada um de nós ficará como uma </span><strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">ferida</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"> </span></strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">na alma do outro, isto deve ser...- Deteve-se para tomar alento.- Por que vim? Prosseguiu ela, febrilmente. Para beijar teus pés, apertar tuas mãos até doerem, lembras-te? Como em Moscou, para dizer-te ainda que és meu deus, minha alegria, para dizer que ter amo loucamente - gemeu ela, num soluço.</span></span></div>
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #444444;"><div style="line-height: 20px; text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">- O amor </span><strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">desapareceu</span></strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">, Mítia - continuou ela-, <b>mas o passado é-me </b></span><strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">dolorosamente</span></strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"><b> querido.</b> Fica-o sabendo para sempre. Agora, por um instante, o que teria podido ser- murmurou ela, com um sorriso crispado, fixando-o de novo com alegria. – Agora, amamos cada um para nosso lado, no entanto, amar-te-ei sempre, e tu também sabia-lo? Ouve, ama-me, ama-me toda a tua vida!- suspirou ela, com uma voz trêmula em que havia leve tom de ameaça.</span></div>
<span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"><br /><div style="line-height: 20px; text-align: justify;">
- Sim, eu te amarei e...Sabes, Cátia - disse Mítia, parando a cada palavra - toda a minha vida! Será assim, para todo o sempre.</div>
<br /><div style="line-height: 20px; text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">Assim trocaram eles essas frases </span><strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">quase</span></strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"> absurdas e exaltadas,</span><strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"> mentirosas</span></strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">, talvez, mas eram </span><strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;">sinceros</span></strong><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"> e tinham em si uma confiança absoluta.</span></span></div>
<br /><div style="line-height: 20px; text-align: justify;">
</div>
<br /><div style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Georgia, serif; line-height: 20px;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: verdana;"><span class="Apple-style-span">Dostoievski,<i> in</i> Os Irmãos K</span></span></span><span style="line-height: 20px;">aramazov</span></div>
</span></span>K.http://www.blogger.com/profile/00063088390869166368noreply@blogger.com1